A primeira vez que vesti uns
collants foi um acontecimento muito especial
Mudou muito a forma como os
via até então
Lembro-me que foram uns
collants de vidro já usados pela minha prima mais velha
Sempre a achei convencida e
com a mania que era mais mulher e feminina que eu
Parecia que queria fazer-me
ciúmes por os usar e eu não
Um dia esperei
Entrei no quarto dela e lá
estavam uns collants como que esquecidos em cima da cama
Eram aqueles collants que
sempre quis experimentar
Tinha de ser ali naquele
momento que os ia vestir
Lembro-me de sentir o coração
prestes a explodir
Como se estivesse a fazer
algo de errado
Ou era simplesmente
excitação, não deu para descrever
Lembro-me como se fosse hoje
Encostei a porta do quarto
Despi-me
Demorei imenso tempo até
perceber como os vestir sem os rasgar
Pouco a pouco
Fui-me metendo dentro deles
Olhei-me ao espelho
Adorei ver-me assim dentro
daqueles collants transparentes e brilhantes
Passei as mãos pelas pernas
Senti o toque que me fez
apaixonar até hoje pelo nylon dos collants de vidro
Parecia uma segunda pele
Fina
Macia
Delicada
Sentia-me tão bem assim
Pela primeira vez senti o que
é ser feminina
Tudo corria de forma especial
e única para mim até que a porta se abre
E é aí que a minha prima
entra no quarto
Viu o cenário todo
Acho que se houvesse um
buraco era onde me metia naquele segundo
Vergonha da minha parte (não
sei)
Risos irónicos da parte dela
(completamente)
Mas no fundo fiquei feliz por
poder partilhar com a minha prima e melhor amiga este episódio
Acho que foi aqui que
percebemos que eu era uma criança diferente
Mas à conta desta cena ofereceu-me
os collants
Anos mais tarde
Um momento muito querido
E depois de muitos anos sem
usar collants
Foi aquele dia em que pela
primeira vez comprei um par de collants
Escolhi uma grande superfície
comercial para fazer a compra
Fiquei em estado de choque
Queria tanto passar pela
experiência de comprar uns collants
Avancei
Lá estava eu na secção de
artigos íntimos
Só a sensação de me encontrar
ali me deixava a mil à hora
Tanta coisa bonita
Uma miragem de conjuntinhos
lindos de morrer
Todas as cores e feitios
Com rendas
Cetins
Tules
Alcinhas finas
Lacinhos acetinados
Corpetes
Cintos de ligas
Bodies
Enfim
Uma genuína loucura
Não me sentia nada à parte confesso
Era o voltar àquela tarde no
quarto da minha prima
Sentir tudo de novo
Mas de uma forma mais intensa
Sendo isso ótimo não convinha
dar muito nas vistas
Eu estava ali para comprar
collants e tinha de me controlar
E agora ...
Que cor escolher?
Compro de vidro?
De licra?
Mouse?
Gosto de azul
Mas cor da pele é só por si
um “must”
E o cinza é tão fino
Ai
Os de rede são tão femininos
Não consigo descrever tudo
porque foi maravilhoso
A palavra maravilhoso não
chega por si só para classificar o que senti
Atrevo-me a dizer que pensei
querer ser mulher para sempre
Usar sem tabus todos aqueles
collants
Hummm
Depois de me decidir la fui
eu em direção à caixa para os pagar
Na caixa estava uma rapariga
na casa dos vinte e poucos anos, pouco mais velha que eu
Não deixei de ver um sorriso
maroto da menina da caixa quando me viu com 2 pares de meias de
vidro
Disse que era para pagar com
multibanco
Acho que ela entendeu tudo
desde o início
Perguntei
“Nota-se assim tanto que são
para mim os collants?”
Tremia como nunca quando lhe
dei o cartão para a mão
Ela só sorriu mas sem dizer
uma palavra a não ser o normal "bom dia" e o "volte sempre
obrigado"
Peguei no talão e nos
collants e afastei-me
Pressenti que o olhar dela me
acompanhou até ao final da loja
Simplesmente adorei aqueles
olhos presos em mim
Como que a imaginar-me
sensual
De collants de vidro vestidos
João Pedro
Por detrás destes collants
que trago vestidos.
Só eu sei o que sinto.
Só eu sei o que sou.